Romeu Kazumi Sassaki, 16/1/10.
INTRODUÇÃO
Na condição de participante da luta pelos direitos das pessoas com deficiência, identifiquei-me imediatamente com a preocupação do Hélio de Araújo. Na mensagem postada na lista em 14/1/10, Hélio fazia a seguinte reflexão diante das comoventes imagens de destruição, caos, sofrimento, desespero, morte, ferimentos, causados pelo terremoto que abateu sobre o Haiti no dia 12 deste mês: “Qual será a sorte daquelas centenas ou milhares de pessoas que ficarão com deficiência?”
TERREMOTO CAUSANDO A DEFICIÊNCIA
Sem dúvida alguma, o número de pessoas que sobreviveram ao terremoto e ficaram com algum tipo de deficiência deverá ser altíssimo. As buscas por outros sobreviventes prosseguem e, em breve, teremos uma noção mais exata do número de pessoas que ficaram com deficiência. Nas imagens que foram mostradas na televisão hoje (16/1/10) apareceu pela primeira vez uma jovem que perdeu uma das pernas durante o tremor de 7 graus na escala Richter.
O QUE PODEMOS FAZER?
Enquanto aguardamos informação detalhada sobre o número de pessoas cuja deficiência foi causada pela catástrofe natural no Haiti, vamos trocar ideias sobre como nós – do movimento brasileiro de vida independente – poderíamos prestar algum tipo de apoio às pessoas com deficiência do Haiti. Fiquei animado com a atitude da Kátia Fonseca e o apoio da Rosangela Bieler.
ANTES DO TERREMOTO: PcD no Haiti
Em primeiro lugar, vamos considerar o número de pessoas com deficiência (PcD) que já existiam no Haiti antes do dia 12 de janeiro de 2010.
A população geral da República do Haiti, em números redondos, está na casa dos 10 milhões de habitantes (Folha de S.Paulo, 14/1/10). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a quantidade de pessoas com deficiência foi estimada entre 10% e 15% da população geral do Haiti (apud Global Art Initiative, 2009). Portanto, existiriam – antes deste terremoto – entre 1 milhão e 1 milhão e meio de PcD. Para fins práticos, podemos considerar a média desses números, ou seja, 1.250.000 PcD (12,5%).
A grande maioria, senão a totalidade, destes 1.250.000 PcD vive em condições de extrema pobreza, uma situação que afeta igualmente a maioria da população haitiana (80%, segundo a Folha de S.Paulo, em 14/1/09). Esta mesma fonte aponta o PIB per capita do Haiti como sendo de 1.300 dólares (que corresponde a apenas 10% do PIB per capita do Brasil).
ANTES DO TERREMOTO: PcD em Porto Príncipe
Consideremos agora apenas a capital do Haiti, Porto Príncipe. Estima-se que a população geral da capital haitiana é de 2.650.000 habitantes. Aplicando-se a estimativa média (12,5%) da OMS a este número, temos 331.250 PcD em Porto Príncipe. Isto sem considerar a quantidade de PcD existentes em outras cidades ao redor da capital.
A Christoffel Blindenmission (CBM), uma ONG que desenvolve projetos no Haiti junto a pessoas com deficiência, diz: “É triste o fato de que as pessoas com deficiência são as mais vulneráveis em um desastre natural” (referindo-se ao atual terremoto no Haiti). E acrescenta que, por sua vez, os desastres naturais geram mais pessoas com deficiência.
A Circular n. 2, de 15/1/10, da Secretaria para o Seguimento do Programa de Ação da Década das Américas pelos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência (Sediscap), da Organização dos Estados Americanos (OEA), divulgada há poucos minutos pela Rosangela Berman Bieler em nossa lista e também veiculada pelo Jorge Márcio Pereira de Andrade ontem (15/1) após recebê-la de Pilar Samaniego de García, coincide com a ponderação da CBM. A Sediscap afirma que “as pessoas com deficiência, devido a suas condições físicas psíquicas e sensoriais, apresentam maiores limitações frente a esta tragédia” (referindo-se à recente catástrofe no Haiti).
Assim, várias das 331.250 PcD que residiam em Porto Príncipe podem ter morrido nos escombros nos últimos cinco dias ou ter ficado com sérios ferimentos. Soma-se a este quadro o número ainda desconhecido de pessoas que ficaram com uma deficiência neste mesmo período de tempo.
SITUAÇÃO DE RUIM PARA PIOR
A situação das PcD no Haiti já era extremamente preocupante antes de 12/1/10. Por exemplo, Erik Jacobson, da Montclair State University, Nova Jersey, EUA, divulgou o seguinte cenário com referência às pessoas com deficiência do Haiti em 2007:
[1] A Constituição Federal apóia a ideia de que pessoas com deficiência devem ter autonomia e educação, mas não há leis que exijam implementação e nem estratégias prontas para promover a inclusão social.
[2] Crianças com deficiência compartilham o mesmo desafio enfrentado por todas as crianças do Haiti onde a matrícula na escola primária cobre apenas dois-terços de todas as crianças em idade escolar. Além disso, não há escolas nas zonas rurais, as famílias são tão pobres que não podem pagar pelos uniformes ou livros e não podem tirar os filhos pequenos do trabalho infantil para frequentar uma escola.
[3] Por vários motivos sociais e econômicos, a maioria das crianças com deficiência não recebe atendimento educacional especializado ou serviços de reabilitação física, e algumas das crianças com níveis mais severos de deficiência moram em instituições.
[4] Diante da ausência de quaisquer benefícios de assistência social ou de leis que exijam educação ou treinamento profissional, os adultos com deficiência intelectual dependem de sua família ou de asilos e casas de repouso, quando a família não tem condições de recebê-los.
O HAITI, O BRASIL E A ABOLIÇÃO
O Haiti aboliu a escravidão dos negros em 1794, ou seja, 94 anos (quase um século) antes do Brasil, que assinou a abolição da escravatura em 1888.
O HAITI, O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS
O Haiti ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Protocolo Facultativo, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 23/7/09. O Brasil aprovou os dois documentos da ONU em 9/7/08 (Decreto Legislativo n. 186) e os promulgou em 25/8/09 (Decreto n. 6.949).
HAITIANOS COM DEFICIÊNCIA
Vamos conhecer algumas pessoas com deficiência do Haiti. Veremos fotos e explicações divulgadas em 2009 pela Global Art Initiative, uma organização sem fins lucrativos, localizada em Burnet, Texas, EUA, cuja missão é a de romper o ciclo da pobreza para os artistas com deficiência nos países em desenvolvimento.
Primeira foto:
Descrição da primeira foto: John Paul Joseph, um artista haitiano com os dois braços amputados no nível do cotovelo, está pintando sobre uma tela de lona, afixada sobre um dos lados de uma muleta axilar. O desenho que ele está pintando mostra uma mulher caminhando com uma muleta colorida embaixo do braço esquerdo e segurando com a mão direita um cesto sobre sua cabeça. Como cenário, ele pintou alegres figuras em vermelho. A muleta é de madeira e estava gasta, mas agora se transformou em uma muleta colorida.
Segunda foto:
Descrição da segunda foto: Um artista haitiano sem braços, Herold Alvares, pinta com a boca sobre uma tela de lona, afixada em uma velha muleta de Madeira, que agora está ficando colorida. O tema da pintura é a imunização contra a poliomielite.
Terceira foto:
Descrição da terceira foto: O haitiano Eder Romeos aparece em seu barraco, ao lado de diversos quadros que ele pintou. Eder, que tem sequela de pólio, usa duas muletas axilares. Ele ficou órfão desde pequeno e vive na mais extrema pobreza. Contudo, através do seu trabalho artístico, Eder está bastante esperançoso de que a sua situação vai mudar logo para uma melhor qualidade de vida.
Quarta foto:
Descrição da quarta foto: Novamente, Eder Romeos aparece pintando outra tela de lona, afixada em uma velha muleta axilar de madeira. O tema do desenho é a disseminação da malária através de picadas de mosquito.
Quinta foto:
Descrição da quinta foto: No lado esquerdo, aparece um menino, sem deficiência, segurando um par de muletas velhas de madeira, que pertenciam à mulher que aparece no lado direito. Esta mulher, com a perna esquerda amputada, está apoiada em um par de novíssimas muletas de alumínio, coloridas artisticamente e presenteadas por este menino. Pessoas com deficiência no Haiti são frequentemente desprezadas e vistas como um castigo de Deus, mas a atitude deste menino para com as pessoas que têm deficiência mostra que o preconceito está diminuindo.
Sexta foto:
Descrição da sexta foto: Cena de rua. Ao fundo, aparecem dois soldados da Força de Paz da ONU, provavelmente brasileiros. Na frente, aparecem, da esquerda para a direita, três atletas haitianos com deficiência: o primeiro apoiado em duas bengalas canadenses, o segundo sentado em cadeira de rodas para corridas de longo percurso e o terceiro sentado em cadeira de rodas para basquete. Eles se preparavam para os Jogos Paraolímpicos de Londres 2012.
Mas, e agora com o terremoto que destruiu o Haiti, onde estarão estes atletas e onde estarão as outras pessoas com deficiência?
REPETINDO: O QUE PODEMOS FAZER?
Nestes dias de caos e choques emocionais, o primeiro passo ainda é a busca pelos sobreviventes. Ao mesmo tempo, é crucial o atendimento integral a todas as vítimas, incluindo as pessoas com deficiência. Mas, aos poucos, devemos encontrar os contatos (e-mails e telefones, por exemplo) com associações de PcD a fim de enviarmos muitas mensagens de solidariedade, força espiritual e encorajamento ao uso da resiliência. Depois, virá o envio de doações (em dinheiro, roupas, materiais diversos etc.) através de organizações brasileiras e internacionais idôneas.
A Circular n. 2, de 15/1/10, da Secretaria para o Seguimento do Programa de Ação da Década das Américas pelos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência (Sediscap), da Organização dos Estados Americanos (OEA), (Abrir circular)
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Olá, Alex Garcia: No artigo "Pessoas com deficiência no Haiti" (16/1/10), que você já leu, citei alguns nomes de haitianos. Ontem (17/1), li duas notícias, uma boa e outra má, sobre eles. A boa notícia é que John Paul Joseph (primeira foto), Herold Alvares (segunda foto), Eder Romeos (terceira e quarta fotos) e Pièrre Guy Theodore enviaram um quadro cada um para os EUA, a fim de participarem do 3° Festival Anual de Artes Especiais, programado para acontecer na cidade texana de Garland no dia 16 de janeiro de 2010. Eles enviaram quadros (e não telas afixadas em muletas) poucos dias antes do terremoto que assolou o Haiti. E esses quadros chegaram à Comissão Selecionadora do Festival exatamente no dia do terremoto (12/1). A Comissão – naturalmente sem saber de detalhes sobre o terremoto no Haiti - julgou todos os quadros (incluindo aqueles enviados por dezenas de outros artistas com deficiência do Haiti e de outros países) e elegeu o quadro pintado por Herold Alvares para receber o Primeiro Prêmio (ver Anexo A). O quadro de John Paul Joseph foi eleito para o Segundo Prêmio (ver Anexo B). A má notícia é que, após enviar mensagem para a Escola St. Vincent para Deficientes (St. Vincent School for the Disabled), em Porto Príncipe - a qual tinha os contatos dos haitianos – mensagem esta anunciando os quadros premiados e convidando Herold e John Paul para comparecerem, por conta do Festival, em Garland no dia 16 de janeiro, para receberem os respectivos Prêmios, a Comissão não recebeu nenhum retorno, nenhuma resposta. O Festival aconteceu e, publicamente, entregou o Primeiro e o Segundo Prêmios a duas pessoas que, depois, fariam os Prêmios chegar até Herold e John Paul. Lamentavelmente, ontem (17/1), a Comissão foi informada pela Escola St. Vincent que Herold Alvares, John Paul Joseph, Eder Romeos e Pièrre Guy Theodore foram considerados desaparecidos desde o dia do terremoto. Não se sabe se eles morreram ou se estão vivos debaixo dos escombros de Porto Príncipe.
Abraços entristecidos. Romeu.
Eles foram encontrados vivos!!!
Quem dá esta formidável notícia é o dr. Fred Sorrells, presidente da Global Art Initiative. Esta ONG, localizada em Burnet, Texas, EUA, desenvolve alguns projetos de capacitação em artes para pessoas com deficiência no Haiti, entre outros países do Terceiro Mundo.
Descrição da foto 1: Rosto sorridente de Fred Sorrells.
O dr. Sorrells foi ao Haiti em 30 de janeiro de 2010, décimo oitavo dia após o terremoto. Ao fim de horas de angustiante busca, ele encontrou pessoalmente Herold Alvares e John Paul Joseph em Porto Príncipe e depois Eder Romeos em Jacmel, cidade que também foi duramente atingida pelo terremoto. Quanto a Pièrre Guy Theodore, o dr. Sorrells soube que também estava vivo. A seguir, quatro das fotos que o presidente enviou de Porto Príncipe no dia 30/1.
Descrição da foto 2: Uma parte da Escola St. Vincent para Deficientes, destruída completamente. A escola não mais poderá funcionar. O terremoto tirou a vida de oito crianças e dois empregados. Uma marquise de alvenaria ruiu sobre um carro estacionado e matou seus dois ocupantes. Herold e John Paul, que freqüentaram esta escola quando crianças, eram atualmente professores de arte para as crianças.
Descrição da foto 3: Outra parte da escola destruída, que agora não mais poderá funcionar. Depois do terremoto (12/1), Herold e John Paul foram colocados às pressas, provisoriamente, em uma tenda ao lado da escola, mas, devido ao mau cheiro e muita poeira, eles foram levados para fora de Porto Príncipe, daí a dificuldade de serem localizados nos dias que se seguiram.
Descrição da foto 4: A foto foi tirada à noite, no dia 30, pelo próprio dr. Sorrells com o telefone celular, ajudado por duas lanterninhas de bolso. À esquerda, aparecem o rosto de Herold e, à direita, o de John Paul. No momento do encontro com o dr. Sorrells, eles estavam ainda bastante traumatizados, mas ao mesmo tempo felizes por estarem vivos.
Descrição da foto 5: Tirada em 31/1, a foto mostra um jardim. Nela aparecem, à esquerda, o dr. Sorrells sentado no chão; no centro, Herold (sem os braços), também sentado no chão; e à direita, John Paul (braços amputados no nível do cotovelo e sem as pernas), sentado em sua cadeira de rodas. Herold foi o vencedor do Primeiro Prêmio no Festival Anual de Artes Especiais, em Garland, Texas, EUA. John Paul, o do Segundo Prêmio. Eles não puderam comparecer à solenidade de entrega dos prêmios em Garland, no dia 16 de janeiro, porque foram dados como desaparecidos desde o dia do terremoto.